Mais e mais mulheres optam por dar à luz sem anestesia
Quando passou a ser usada para aliviar as dores do parto, no século 19, a anestesia foi comemorada como uma conquista feminina. Hoje, mais e mais mulheres optam por dar à luz sem ela. A gente foi investigar por quê
No mundo todo cresce o número de mulheres que optam pelo parto sem anestesia. No Brasil, um dos campeões mundiais em cesariana, os índices ainda são pequenos, visto que, óbvio, a anestesia só pode ser dispensada no parto vaginal. Ainda assim, cada vez mais mães que buscam o parto natural, com o mínimo de intervenção médica, dispensam a dor da picada e enfrentam a das contrações, da dilatação e da expulsão do bebê. Onde quem opta pela cesariana, temendo o parto normal, vê dor, as mães que evitam a anestesia enxergam prazer. Segundo elas, sentir o nascimento do filho é uma delícia. Para algumas, comparável a um orgasmo.
No livro As 500 Melhores Coisas de Ser Mãe, das publicitárias Juliana Sampaio e Laura Guimarães, autoras do blog que virou programa de TV Mothern, a 29ª melhor descoberta da maternidade é “reconhecer o valor de ter nascido após a invenção da anestesia”; e a 30ª, “ou encarar um parto natural sem isso e descobrir-se mais forte e poderosa do que você jamais se imaginou”. Ou seja, questão de opção. Ninguém é mais mãe por sentir dor, claaaaro. Nem precisava dizer, mas a gente faz questão.
Na primeira vez que a anestesia foi usada com esse fim, corria o século 19. A rainha Vitória deu à luz seu oitavo filho sob efeito do clorofórmio. A peridural, usada até hoje, surgiria só no século 20. No Brasil, o governo passou a pagar ao SUS pela anestesia dada no parto normal apenas a partir de 1998. Na Europa, em geral, as anestesias continuam sendo evitadas. Em outros países, como Espanha, Portugal e nos Estados Unidos, são usadas de forma liberada, mas também cresce o movimento por menos intervenções.
Entre as razões citadas pelas mães para evitar a anestesia estão o desejo de perceber o momento em que os bebês nascem, sentir prazer durante o parto, evitar que os bebês tenham contato com os anestésicos e ter maior mobilidade para amamentar.
Segundo o neonatologista Carlos Eduardo de Carvalho Corrêa, filho de Victor e Silma, um procedimento sem anestesia estabelece rapidamente o vínculo materno. Ele cita estudos que mostram que bebês nascidos de partos sem a necessidade de anestesia, ao serem colocados sobre o ventre da mãe, logo após o nascimento, fazem um movimento em direção ao peito materno, o que não acontece com bebês nascidos sob intervenções anestésicas.
Diminuindo a dor
Mas como conseguir tudo isso? Uma das respostas é recorrendo ao apoio de uma doula, acompanhante de parto que, além de dar apoio e incentivo na hora mais dolorida, ensina técnicas de respiração que ajudam a diminuir o desconforto. A presença dessa profissional, segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), diminui em cerca de 60% os pedidos de anestesia. Claro que fica muito complicado não fazer nenhuma preparação prévia e querer ter o filho a seco na hora...
Segundo a doula Cristina Balzano, mãe de Mônica, Miguel e João Pedro, o ideal é que a mulher não prenda o ar durante as contrações. “A respiração tranqüila, pelo abdômen, oxigena também melhor o bebê”, explica. Outras dicas são a escolha da melhor posição, que é individual para cada mulher, massagens e o contato com a água, seja numa banheira, ducha ou com compressas, já que, diz Cristina, a água é um excelente analgésico natural.
Foi a água que auxiliou Mariana Betioli, mãe de André. Compressas feitas nas costas ajudaram no trabalho de parto. “Queria sentir cada momento lúcida, à vontade e segura”. Já Daniela Aragão, mãe de Pedro, Bernardo e Julia, teve os três filhos em partos normais: o primeiro com anestesia; os outros dois, sem. Para ela, não há comparação. “Prefiro quando tenho controle e sei a hora em que tenho de fazer força. Trabalhar em sintonia com o bebê foi a melhor sensação que já vivenciei”.
O próprio organismo se encarrega de produzir substâncias que contribuem para aliviar a dor. “O trabalho de parto oferece as ferramentas para diminuir as sensações dolorosas, produzindo um incremento fantástico nas endorfinas (substâncias conhecidas como “analgésicos do cérebro”)”, diz o obstetra e homeopata Ricardo Herbert Jones, pai de Lucas e Isabel, que relata, no livro Memórias do Homem de Vidro, sua opinião sobre o tema. A incidência das anestesias nos partos que acompanha é de quase zero.
O cérebro tem um poder tão fantástico que basta a gente acreditar que não vai mais sentir dor para ter algum alívio. Segundo um estudo feito na Universidade de Michigan, nos EUA, a simples menção de que iriam receber um anestésico fez com que pacientes que tinham tomado uma substância causadora de dor registrassem um aumento na produção de endorfinas. Acontece que a substância não passava de um placebo, sem efeito nenhum.
O direito de optar
Mas é claro que você não precisa ser radical. É sempre muito bom saber que a gente pode optar pela anestesia se, na hora H, a dor for demais. Heather, mãe de Emily, Lucas, Logan e Anna Elisa, durante sua gravidez mais recente, não queria anestesia de jeito nenhum. Mas, na hora, a dor ficou forte demais. “Estava além do meu limite. Com certeza, a anestesia ajudou.”
O obstetra e acupunturista Marcos José Pires, pai de Leonardo e Nathalia, acredita que a analgesia de parto, se aplicada no momento certo, isto é, quando as contrações ficam mais fortes entre 6 cm e 8 cm de dilatação (o total é de 10 cm de dilatação do colo do útero, quando o bebê nasce), pode garantir que a gestante tenha um parto normal. “Já no início do pré-natal, a mulher se preocupa com a dor. Sabendo da possibilidade de um procedimento que melhore bem essa dor, elas ficam mais estimuladas a tentar o parto normal”.
E, acredite: depois da picada, você realmente não sente nada. É um alívio e tanto quando a coisa começa a ficar insuportável para os padrões de algumas mulheres. Nada de bancar a heroína, não é essa a idéia.
Segundo o obstetra, que também usa a acupuntura para aliviar a dor, a analgesia atua melhorando a evolução do parto normal, facilitando a descida do bebê e a dilatação. Mas o médico alerta que isso só acontece se for feita no momento adequado, com acompanhamento do obstetra e com anestesista experiente. Caso contrário, ela pode favorecer uma parada das contrações uterinas e dificultar a dilatação, aumentando o risco de cesariana.
A Dra. Daphne Rattner, filha de Heinrich e Miriam, técnica da área de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde, acredita que mulheres que, sentindo-se bem acolhidas, acompanhadas por pessoas de suas relações e profissionais que lhe inspiram confiança conseguem, muitas vezes, controlar as contrações e até não sentir a dor. Porém, quando essas condições não ocorrem, aumenta a tensão e, conseqüentemente, a dor. Daí a importância da anestesia. O melhor é não fazer nada contra a vontade. A sua, óbvio. Se achar que não precisa, tente sem. Se achar que precisa, peça e pronto. Doa a quem doer. Só não pode doer mais do que você consegue (e quer) suportar.
Conheça os tipos de anestesia:
Local: a anestesia local serve, basicamente, para permitir a episiotomia – corte na vulva ou vagina na hora do parto.
Raquidiana baixa: realizada no período expulsivo, tem ação somente na região perineal e não tira a dor das contrações.
Analgesia de parto: feita durante o trabalho de parto, serve para diminuir ou tirar a dor da contração uterina e provocar anestesia na região perineal. Via cateter, vai sendo injetado anestésico de acordo com a necessidade de cada mulher. Existem duas técnicas, uma com bloqueio simples, peridural, e outra técnica de duplo bloqueio que associa a raquianestesia com a anestesia peridural.
Fonte: Deborah Trevizan/Terra
http://www.expressomt.com.br/noticiaBusca.asp?cod=76005&codDep=3
26/06/2010
Imagem: http://img.youtube.com/vi/KIbocPhT-OM/0.jpg modificada
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